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Economia
Por João Madeira
A Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira (APIT) e a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) vão organizar, de 23 a 25 de maio, o primeiro Congresso Luso-Brasileiro de Auditores Fiscais e Aduaneiros. Em entrevista conjunta, os presidentes das organizações, Nuno Barroso e Roberto Kupsky, abordam os desafios que se colocam aos sistemas tributários dos dois países.
Que papel têm tido os inspectores tributários nas investigações judiciais?
Nuno Barroso (NB): A intervenção na investigação criminal é cada vez mais relevante e fundamental, seja pela qualidade desempenhada no papel de peritos junto de outros órgãos de polícia criminal, seja pelo facto de tantas e tantas vezes ser a partir do seu trabalho diário que se revelam esquemas complexos de fraude e evasão fiscal – como por exemplo a Operação Furacão, o processo Monte Branco e tantos outros. Os seus conhecimentos técnicos e o seu profissionalismo têm-se revelado uma evidente mais-valia na colaboração com as investigações do Ministério Público e na recuperação de valores sonegados aos cofres públicos. Bastará analisar os valores já efetivamente recuperados como resultado da Operação Furacão. Em novembro de 2015, o DCIAP informava que só a Operação Furacão já tinha recuperado 160 milhões de euros e constituído arguidos mais de 700 indivíduos.
Roberto Kupski (RK): Nas duas operações mais famosas da Polícia Federal do Brasil na atualidade, a Lava-Jato e a Zelotes, há o trabalho do auditor-fiscal. Esses esquemas, juntos, devem ultrapassar os 50 bilhões de reais em corrupção. O resultado dessas operações só foi possível graças ao trabalho integrado do Fisco, o Ministério Público e da Polícia Federal, no fornecimento de dados que propiciam inclusive condenações. Com certeza a atuação dos auditores-fiscais em Portugal e em outros países não é diferente. O trabalho desses profissionais tem sido responsável pelo retorno aos cofres públicos de grandes quantidades de dinheiro desviadas por esquemas de corrupção e sonegação.
Os casos transnacionais de fuga às obrigações fiscais não mostram a necessidade de haver mais cooperação internacional entre os inspectores?
NB: Esse é um tema da máxima relevância. Uma administração tributária moderna não pode quedar-se pelo seu território, e no caso de Portugal, temos cada vez mais de pensar em como atuar com efetividade, e especialmente, no espaço europeu. A troca de informações entre países da União Europeia é uma realidade cada vez mais presente no trabalho dos inspetores, e cada vez com informação de maior qualidade. Contudo, este trabalho tem de abranger cada vez mais jurisdições fiscais. Na verdade, são cada vez mais os acordos de troca de informações entre Portugal e outros países, sobretudo os que possuem sistemas de tributação mais favoráveis. Mas falta apuramos qual tem sido efetivamente o benefício desses acordos, ou seja, se estaremos a retirar da informação recebida todas as vantagens que podíamos e devíamos retirar.
As tecnologias de informação são cada vez mais relevantes para o trabalho no terreno, mas tal deve ser também resultado de uma partilha alargada de formação e informação. É neste sentido que consideramos que uma formação constante e uma troca de informações de qualidade como os pilares de uma atuação no terreno mais eficaz e eficiente.
RK: Sem dúvida que há necessidade de mais cooperação. Na última assembleia geral do Centro Interamericano de Administrações Tributárias realizado na Cidade do México, frisou-se que hoje o auditor-fiscal deve ser ‘glocal’, ou seja, que atua junto a empresas globais – no caso as multinacionais, sobretudo nas que atuam no comércio eletrônico -, e local quando também atende os seus contribuintes locais, que estão dentro do seu território nacional. Esse é o nosso maior desafio: o aperfeiçoamento da cooperação das informações fiscais entre as administrações tributárias dos países. A tecnologia é uma importante ferramenta, mas precisa do trabalho da pessoa, dos profissionais das administrações tributárias para realizar o trabalho de combate à sonegação fiscal e ao controle tributário.
Os Panama Papers mostraram práticas de potencial evasão fiscal à escala global. Como vêem este caso?
NB: É óbvio que este esquema, como os que resultaram do Luxleaks ou do Swissleaks, são reveladores de espaços económicos de países ou territórios que fazem da confidencialidade e das restrições à informação a sua vantagem na concorrência fiscal entre nações, e que representam um óbvio atentado à transparência e à tributação real. Mas também temos os pés assentes no chão e sabemos que pretender acabar com os offshores de um dia para o outro é um desejo infantil. Tal não significa contudo que devemos ficar parados: está nas nossas mãos, de todos nós, pressionar para mudanças legislativas globais, para alterar o acesso à informação, para supervisionar de forma mais eficaz e especialmente para punir (o que tenha de ser punido) de forma exemplar. Temos de continuar a exigir em Portugal, e no seio das entidades da UE, que se proceda à necessária mudança de paradigma legal no que concerne às atividades financeiras nos offshores.
RK: Este caso mostra que precisamos de ampliar o trabalho de cooperação entre os fiscos para chegar nessas empresas que burlam o Fisco, escondendo receitas e tributos que deveriam retornar em melhorias para a sociedade, por meio das políticas públicas.
As offhores são um entrave de peso às investigações tributárias?
NB: Não podemos deixar cair no esquecimento estes esquemas e todos aqueles que se assemelham e que possam não ter o mesmo impacto mediático. Estas ‘realidades’ têm-se constituído como obstáculos quase inultrapassáveis em muitas investigações tributárias. Acreditamos que a aposta em unidades de investigação especializadas no seio das administrações tributárias, dotadas de meios humanos e materiais, com formação e informação adequadas, contribuirão de forma assinalável para o trabalho de identificação e punição de esquemas de fuga à tributação nos territórios nacionais. Este reforço é primordial para o sucesso de qualquer medida nesta matéria. Para além disso, o acesso à informação das movimentações financeiras é essencial. O atual governo parece ter iniciado esse caminho ao discutir a necessária legislação para adaptar em Portugal, e de forma a incluir os cidadãos nacionais, a proposta da OCDE de Common Standard Reporting – comunicação dos bancos de saldos superiores a 219 mil euros, já aplicável a cidadãos estrangeiros. Tal irá assegurar o princípio da igualdade de tratamento entre portugueses e residentes estrangeiros, e reforçará os meios para questionar e pedir justificações sobre manifestações de fortuna.
RK: As offshores podem ser um entrave às investigações tributárias. Sabemos que nem todas são ilícitas, mas são uma forma de sonegar tributos, que só serão ultrapassadas por meio de verificações rigorosas em cooperação dos Fiscos e órgãos de controle dos países envolvidos. Estas empresas são obrigadas a informações suas movimentações aos países. Esses paraísos fiscais, que felizmente têm diminuído, não podem viver sob o sigilo fiscal. O Fisco precisa ter acesso a todas as informações e movimentações financeiras das empresas.
O sistema fiscal está muito assente na tributação de rendimentos e do consumo. A tributação de fortunas deveria ser mais focada pelos sistemas fiscais?
NB: Essa é a grande questão quando queremos discutir sistemas tributários. Cada vez mais estamos cientes que a centralização de um sistema tributário sobre o rendimento e o consumo está longe de contribuir para combater as desigualdades sociais. Existem claramente soluções que deverão ser testadas no sentido de equilibrar o peso da carga fiscal sobre as várias realidades tributáveis, não esquecendo que tal tem necessariamente de ser pensado tendo em conta a possibilidade de o planeamento fiscal encontrar ‘válvulas de escape’. Por exemplo, uma aposta na tributação de património de grande valor – por exemplo uma progressividade no IMI sobre imóveis que não sejam habitação própria e permanente – terá de ser acompanhada por uma presença inspetiva próxima da realidade tributária dos fundos imobiliários e, inclusivamente, pela introdução de uma taxa sobre as transações financeiras.
RK: Hoje o Brasil tem uma das maiores tributações sobre o consumo. Precisamos avançar para um modelo de tributação mais justo, inclusive sobre o património. O modelo atual penaliza quem menos ganha. Isto deve ser efetivamente discutido. Sobre grandes fortunas, apesar de previsto na Constituição brasileira desde 1988, nunca foi implementado e será um dos temas a ser discutido neste 1º Congresso Luso-Brasileiro. Esse imposto tem uma viabilidade económica efetiva e os países da Europa têm uma experiência consolidada para nos apresentar. Precisamos tributar os mais ricos de forma mais equânime no Brasil e isto se deve à concentração do imposto sobre consumo. Precisamos efetivamente um de uma reforma tributária para mudar esse quadro.
A forma como o Estado encara os profissonais tributários é neste momento um ponto de preocupação?
NB: Claramente. Desde 2008 que as carreiras destes profissionais e a sua relação com o Estado se encontra num limbo: são ou não carreiras de Estado? Devem ou não manter o vínculo de nomeação definitiva? O atraso na revisão de carreiras é claramente um dos fatores que suscita mais desconfianças e incertezas aos inspetores tributários e aduaneiros. E as dúvidas sobre a forma que tal revisão tomará levanta ainda mais questões para o futuro destes profissionais. Nós, APIT, não temos dúvidas que os trabalhadores da Autoridade Tributária deverão, todos eles, manter o vínculo de nomeação definitiva. E, tal como acontece com os nossos colegas brasileiros, consideramos igualmente como fundamental que o Estado promova a Educação Fiscal num contexto de difusão de exemplos de Cidadania, desde o 1.º ciclo até aos mais idosos.
RK: É. Precisamos de avançar na aprovação de leis orgânicas para garantir a autonomia administrativa, funcional e financeira das administrações tributárias e carreiras fiscais para o exercício pleno da atividade. Esses temas têm unido os servidores públicos brasileiros, pois as perdas desses direitos representam o enfraquecimento do serviço público como um todo. Muito além da defesa de prerrogativas e ‘privilégios’ para os servidores, estamos diante da possibilidade de enfraquecimento dos serviços públicos oferecidos, especialmente aos mais pobres. Precisamos qualificar e buscar cada ver mais que o serviço público tenha em seus quadros os melhores profissionais. E isto só é possível com valorização salarial, garantias no exercício da atividade, de uma aposentadoria digna.
Fonte: Febrafite
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