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09.12.2016 • Febrafite

O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência

Muito já foi dito sobre a reforma da previdência. De um lado, defensores da reforma apontam o déficit da previdência como motivo determinante da reforma. Do outro, especialistas apontam que essa conta desconsidera as demais fontes de recursos do Orçamento de Seguridade Social, bem como as renúncias fiscais do governo. Sobre o tema, sugiro a leitura da cartilha elaborada pela AFFIP aqui, ou que assistam esse vídeo (esse texto também é bastante didático e esse).

O que me motivou a escrever esse artigo, contudo, foi um gráfico que consta na exposição de motivos da PEC 287/16 (Pág. 17). Para justificar a escolha cabalística do número 65 como idade para aposentadoria, Meirelles apresenta o seguinte gráfico elaborado com dados da OCDE (2012):

 
                             Figura 1. Fonte: Exposição de Motivos PEC 287/16. Dados da OCDE 2012.

Analisando o gráfico, vemos que, de fato, a grande maioria dos países da OCDE utilizam como idade mínima para aposentadoria a idade de 65 anos. (Não vou nem comentar que há dados incorretos no gráfico, como o fato de que, no Japão, a idade mínima para aposentadoria está subindo 4 meses por ano e só vai chegar em 65 no ano de 2025 — sim, daqui a nove anos — para saber mais sobre o tema, sugiro essa notícia ou esse levantamento.)

O que Meirelles deixa de fora da exposição de motivo são outras informações sobre esse outro grupo de países. Eu não vou nem entrar em diferenças socioeconômicas, distribuição de renda, custo de vida etc. Quando se fala de idade mínima de aposentadoria, a primeira coisa que me vem na cabeça é expectativa de vida. Ou seja, quantos anos, em média, as pessoas ficam aposentadas antes de morrer? Quantos anos, em média, um indivíduo poderá desfrutar de sua aposentadoria, depois de ter passado uma vida trabalhando e contribuindo para a previdência?

Para analisar isso, levantei os dados da Organização Mundial da Saúde/ONU sobre expectativa de vida nos países do gráfico acima que tem a idade mínima para aposentadoria de 65 anos. Vejamos então qual é a expectativa de vida em cada um desses países, comparando com dados do Brasil, Eslováquia e Turquia (onde as pessoas se aposentam com menos de 65 anos):

 
                                            Figura 2. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo autor.

Vemos que a expectativa de vida média dos países que delimitaram em 65 anos o corte para a aposentadoria é de 81,2 anos, versus a expectativa de vida de 75 anos no Brasil. Ou seja, indivíduos desses países deverão viver 6,2 anos a mais do que um cidadão brasileiro. Será que ainda faz sentido igualar a idade de aposentadoria para a média deles?

Percebam que na Turquia, a expectativa de vida não chega aos 76 anos e na Eslováquia não chega aos 77. As idades mínimas de aposentadoria nesses países é de, respectivamente, 60 e 62 anos. Expectativas de vida menor, idade mínima para aposentadoria menor. Isso faz sentido, não faz?Aparentemente, não para o governo.

A situação fica mais complicada quando aplicamos o fator HALE (Health Adjusted Life Expectancy ou Expepectativa de Vida Ajustada pela Saúde, em tradução livre). O fator HALE é uma conta complexa que abate proporcionalmente da expectativa de vida doenças ou limitações de saúde dos indivíduos.

Imaginemos um caso de um indivíduo que tenha Alzheimer aos 76 anos e passe os próximos 6 anos sendo gradativamente afetado pela doença. Apesar de o indivíduo ter sobrevivido até a idade de 82 anos, esses últimos anos de sua vida foram cada vez menos aproveitados, por conta da doença. Da mesma forma, alguns indivíduos perdem gradativamente a visão com a velhice. Apesar de importante, contudo, sem a visão é possível ter uma vida bastante agradável, caso o resto da saúde esteja OK. Dessa forma, o cálculo HALE atribui um peso maior a doenças mais debilitantes, enquanto que impedimentos menores influenciam menos na expectativa de vida.

De uma maneira resumida, podemos entender a tabela a seguir como a expectativa de vida com saúde por país. Os dados também são da OMS/ONU. A faixa vermelha representa a idade de aposentadoria sugerida pelo governo de 65 anos.

 
                                       Figura 3. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo Autor.

O que esse gráfico evidencia é um triste futuro que ou não foi considerado na hora da definição dessa idade mínima ou foi seletivamente ignorado.

Vemos que nos países escolhidos como modelo a expectativa de vida com saúde (HALE) é sempre maior do que a idade de aposentadoria. Na média, temos que nesses países um indivíduo ainda terá 6,5 anos com saúde para aproveitar sua aposentadoria antes de ser acometido por alguma doença ou impedimento. No Brasil, na média, um indivíduo teria 6 meses. Isso mesmo, 6 anos lá, 6 meses aqui.

Essa constatação é tão absurda que merece mais um gráfico para mostrar o tamanho do erro ao comparar o Brasil com esses países. Lembrando que para Turquia e Eslováquia, o corte de 65 anos no gráfico acima não ocorre, o corte ocorre em 60 e 62 anos. Com isso, temos a seguinte quantidade de anos com saúde após a aposentadoria, por país:

 
                            Figura 4. Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo Autor.

Esse gráfico mostra claramente que o Brasil com uma idade de aposentadoria de 60 anos está na média de uma sobrevida com saúde após a aposentadoria. Da mesma forma, a Turquia e a Eslováquia também parecem manter relação entre a expectativa de vida de suas populações e suas idades de aposentadoria. Reparem nos míseros seis meses do Brasil, caso aprovada a nova idade mínima de 65 anos, representados por um pontinho vermelho no gráfico.

Isso significa que a PEC 287/16 tem o potencial de transformar o Brasil no pior país, dentre os analisados, para se aposentar. Em outras palavras: muitos brasileiros sequer irão se aposentar, enquanto outros irão se aposentar nas beiras de problemas sérios de saúde que os deixarão incapacitados de ter uma vida plena até morrerem.

Ainda dá tempo, contudo, de impedir essa realidade. A PEC 287/16 está tramitando pelo Congresso Nacional. Para ser aprovada, deve obter votos favoráveis de três quintos dos senadores e deputados, com duas sessões em cada casa. Com alguma sorte, e muita pressão popular, talvez nossos congressistas deem ao assunto a importância que ele merece, analisando todas as facetas da questão antes de tomar uma decisão precipitada.

Marcelo L. Perrucci é auditor federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União e presidente do Conselho Fiscal da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp).

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