Dois dias depois de a Secretaria do Tesouro Nacional recusar a adesão do Rio Grande do Sul ao Regime de Recuperação Fiscal do governo federal, por descumprir exigência técnica, a Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia, em audiência pública sobre o assunto nesta sexta-feira (24), deliberou pela retirada dos projetos do Executivo protocolados na semana passada, em regime de urgência, voltados à privatização de empresas estatais e para autorizar o Estado a participar do regime fiscal que dará carência de três anos ao pagamento das prestações da dívida com a União. Outro encaminhamento diz respeito à realização de auditoria da dívida do Estado, conforme orientou o deputado Pedro Ruas (PSOL), proponente da discussão realizada na sala João Neves da Fontoura, Plenarinho, com as lideranças de entidades dos servidores públicos do Rio Grande do Sul.
Além da retirada do PLC 249/2017, que autoriza a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, e das PECs 266/2017, 267/2017, e 268/2017, que alteram dispositivos constitucionais para autorizar a privatização da SULGÁS, CRM e CEEE, também houve deliberação pela retirada do PLC 206/2017, que reestrutura o IPERGS. Outra sugestão dos sindicalistas foi no sentido de a Comissão de Assuntos Municipais analisar a situação atual do Rio de Janeiro, após adesão à recuperação fiscal imposta pelo governo federal, assim como o pagamento do 13° salário do funcionalismo dentro do prazo determinado por lei, tendo em vista que a negativa da Secretaria do Tesouro Nacional comprova que o governo dispõe de recursos para realizar o pagamento.
Uma vez que o Estado não compromete 70% da Receita Corrente Líquida com os pagamentos da folha do funcionalismo e do serviço mensal da dívida, que alcança 57,98%, os sindicalistas entendem que o governador José Ivo Sartori mentiu para a União ou está mentindo à sociedade gaúcha, o que pode gerar um novo pedido de impeachment, a se somar ao encaminhado pelo CPERS ao Legislativo.
Durante a audiência pública, o deputado Pedro Ruas (PSOL) destacou as dificuldades impostas pelo governo para debater o assunto, promovendo chantagem com os servidores e agora foi flagrado numa mentira pela maquiagem dos números, “ou mentiu para a União ou mentiu aqui, para todos”, disse ele, propondo uma severa análise jurídica dessa situação, além do impedimento na tramitação das matérias do Executivo relacionadas com a recuperação fiscal. “O Estado foi exposto numa situação terrível”, afirmou Ruas na abertura da audiência.
Também Tarcísio Zimmermann (PT) reclamou da ausência de agentes do governo na discussão, método que tem se repetido no encaminhamento de projetos ao Legislativo sem o prévio conhecimento dos órgãos implicados, como é o caso do projeto que provoca alterações no IPERGS. “O Conselho do IPE não foi ouvido, assim como outros poderes também não opinaram”, assegurou, caso também apurado junto ao corpo técnico da Corsan, ignorado para a construção do projeto de financiamento da companhia. Esta estratégia de indiferença com os setores envolvidos resultou agora no flagrante dado pela Secretaria do Tesouro Nacional, observou o deputado petista. “Foi desmascarado o discurso do parcelamento”, frisou, pregando uma reação imediata das entidades dos servidores públicos: “temos que subir o tom, todos juntos, não é possível se submeter a este grau de subordinação”.
RS perde autonomia financeira
A sugestão de auditoria da dívida do Rio Grande do Sul partiu do presidente do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado, Josué Martins, depois de fazer uma exposição da evolução da dívida desde a renegociação em 1998. “É mais do mesmo piorado, aprofunda a dificuldade do Estado em gerenciar suas finanças”, disse, mostrando que “a essência da renegociação é manietar a capacidade do Estado de exercer a autonomia financeira que a Constituição Federal assegura”.
Além dessa ilegalidade constitucional, Martins aponta ainda o agravante econômico, que é a União definindo a essência da política econômica do Estado, “não vamos mais precisar de secretário de Finanças, porque terá um comitê supervisor do acordo que vai atuar diariamente verificando se estão sendo cumpridos os quesitos acordados”, alertou. O dirigente da entidade de auditores ponderou que esta alternativa agravará a crise financeira do Estado. “A dívida deve aumentar em R$16 bilhões nos três anos, e se for prorrogado, vai dobrar de R$ 58 bilhões em mais R$ 32 bilhões”, mesmo com a venda de patrimônio e restrições na reposição de quadros funcionais a crise vai continuar.
Conforme Josué Martins, é preciso mudar a lógica da arquitetura financeira do contrato sendo transferida para o Estado. “O que se propõe no regime é mais do mesmo, piorado, com debate interditado a partir da tutela da União”. Para o auditor, é preciso averiguar a evolução da dívida do Estado e isso tem que ser feito através de uma auditoria.
Na mesma linha, João Pedro Casarotto, da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais, Febrafite, mostrou que o atual contrato de renegociação da dívida rendeu para a União 1.047% de juros. “Já se sabia, na época, que o contrato era impagável. O governo federal lucrou com o contrato 839% de juros real, isto é uma afronta violenta ao princípio federativo”, assegurou.
A entidade entrou com duas ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF questionando a Lei Complementar 156 e a LC 159, que gera o Regime de Recuperação Fiscal, “não podemos aceitar, nosso pedido é que a Assembleia não aprove porque vai aprofundar a crise do Estado”, salientou, atribuindo a crise ao governo central que, nesta nova renegociação, exige a venda “das joias da coroa” para pagar a dívida. Alertou, ainda, que o acordo “tranca o crescimento das despesas obrigatórias, mas libera o endividamento, permite acima do que a Lei de Responsabilidade Fiscal autoriza”, alertou.
Casarotto mostrou outra armadilha do acordo, que é a criação de fundo de investimento de direitos creditórios, “é um sumidouro de recursos públicos, é assustador”, situação que já atormenta o Rio de Janeiro, onde o Ministério Público entrou com ação contra empresa que provoca rombos extraordinários por conta desses fundos.
Defesa do serviço público estadual
A defesa das empresas estatais, a vulnerabilidade do setor elétrico em caso de privatização, a importância do conteúdo nacional para preservar os pequenos e médios negócios que giram em torno do setor elétrico; o combate à sonegação e a transparência nas isenções para desmontar o “discurso da crise” do governo; as perseguições promovidas pelo governo junto aos servidores, intimidando para inibir manifestações; a defesa do serviço público como estratégico para o desenvolvimento do Estado; a necessidade de o Judiciário abrir mão de privilégios como “auxílio moradia” e passar a valorizar os educadores; a unidade de todos os setores do funcionalismo na defesa dos interesses do Estado foram a tônica dos discursos.
Manifestaram-se, os dirigentes do Sindifisco, Cristian Azevedo; do Sintergs, Nelcir Garnier; Carlos De Martini, do Afocefe/Sindicato; Neiva Lazarotto, da Intersindical; Elvis Vargas, da Assulgas; Ana Maria Spadari, da Conlutas; Helio Corrêa, da CSP; Davi Pio, do Sindijus; Vinicius Pereira, da União Eletricitária; Eder Pereira, da CGTB; Fábio Rocha, do SPH; e diversas outras entidades de servidores públicos estaduais, assim como a vereadora Fernanda Melchiona (PSOL), mineiros de Candiota, o desembargador Caio Madruga, do Tribunal de Justiça; servidores do BRDE e Badesul, Sindicato dos Bancários e UGEIRM.
Por Ascom ALRS