*Tanísia Vilariño
Sob o voal da desburocratização, simplificação e racionalização verifica-se que o presente PLS 406/16 pretende também o enfraquecimento das administrações tributárias. Indo de encontro a vários estudos realizados recentemente que preconizam fortificação das Administrações Tributárias[1].
Essa questão preocupante, que acaba por enfraquecer as administrações tributárias, decorre da supressão de sua autonomia funcional e da obrigatoriedade do lançamento. A proposta suprime o parágrafo único do artigo 142 do CTN que determina, nas palavras de Hugo de Brito Machado, “tomando conhecimento do fato gerador da obrigação principal, ou do descumprimento de uma obrigação tributárias acessória…, a autoridade administrativa tem o dever indeclinável de proceder ao lançamento tributário.”[2] Em caso de aprovação desta alteração não somente a autoridade pode ficar inerte diante de fraudes, como pode também cancelar autos de lançamento já realizados, uma vez que a autuação não é mais obrigatória. A autoridade administrativa que cancelasse o auto de Lançamento não responderia mais funcionalmente.
No mesmo sentido, a inclusão do artigo 196-A fere profundamente a Administração tributária. Este artigo determina a necessidade de ordem expressa fundamentada e específica para a realização de fiscalização. Esta ordem deve delimitar bem o escopo a ser fiscalizado: determinando expressamente o que e qual tributo deve ser fiscalizado. Acreditamos que esta questão não deveria de constar de uma lei complementar, uma vez que se trata de uma questão de gestão das administrações tributárias. Em que pese o fato de a Receita Federal já proceder desta forma, as Receitas Estaduais têm obtidos bons resultados através de orientações aos auditores-fiscais para realização de autuações com base em estudos setoriais, econômicos e financeiros. A obrigatoriedade, através de lei complementar, acaba se revelando uma ingerência na autonomia funcional dos auditores-fiscais e na sua área de gestão do trabalho.
Verifica-se também que o projeto de lei dificulta a responsabilização dos sócios no caso de dissolução irregular da sociedade. Ele cria mais um requisito para que seja caracterizada a dissolução irregular: a não entrega de declarações durante dois anos consecutivos. Atualmente, a questão da dissolução irregular encontra-se sumulada pelo STJ (súmula 435). A alteração transfere para o contribuinte o controle da situação: quando estiver próximo de fechar dois anos, o contribuinte vai poder fazer uma declaração zerada e começa a contar o prazo novamente. Em verdade a alteração proposta estabelece mais um óbice a cobrança de créditos tributários! O que vai no contrassenso de Estudos realizados pelas administrações tributárias no que tange a eficiência da cobrança de créditos tributários. Sabe-se que quanto mais tempo levarmos para cobrar um crédito, mais difícil será a sua cobrança. Ora, na crise financeira atual do Brasil e dos estados, me parece que esta proposta contribuiria somente para acentuar a crise reduzindo a arrecadação.
Essa pequena análise de algumas das propostas do PLS 406/2016 (Projeto de reforma do Código Tributário Nacional) já demonstra a necessidade de uma maior discussão junto as administrações tributárias, o que não se coaduna com o regime de urgência que lhe foi atribuído. Acreditamos que o risco de sua aprovação sem as devidas discussões é muito grande para um Estado em tamanhas dificuldades financeiras, econômicas e políticas.
[1] ALINK, Matthijs; KOMMER, Victor van. Manual de administração tributária. Tradução: Vinícius Pimentel de Freitas. Amsterdam: IBFD, CIAT, 2016.p.28-31. OCDE. Servidor público, parceiro do crescimento: por uma função pública mais forte, mais enxuta e mais equitativa, Paris, OCDE, 2011.
[2] Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 12ª edição, Malheiros, 1997, p.120.
*Auditora fiscal da Receita Estadual do Rio Grande do Sul, graduada em Direito pela UFRGS, com mestrado em Direito Tributário Internacional pela Universidade Paris II-ASSAS, mestrado em Administração Tributária pela Paris I-SORBONNE e doutoranda em Direito Tributário pela Universidade Paris I-SORBONNE, França. É diretora de Comunicação da Febrafite.
Artigo originalmente publicado na Revista Febrafite, Ed. 32, dezembro de 2016.
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